Comecei a tocar guitarra com treze anos, e de cara caí no heavy metal: Iron Maiden, Metallica, Blind Guardian e outros. Estudava na GTR, uma escola de guitarra muito famosa em Brasília, e também famosa por ser um criadouro de guitarristas virtuosos. Através de treino constante cresci tecnicamente, e não tardou muito para que eu começasse a tocar em bandas de metal.
Para os pouco familiarizados, o heavy metal é um estilo musical de grande exigência técnica, e a guitarra é o seu instrumento principal. Há uma linha de guitarristas de metal que fazem música instrumental, em sua origem influenciados principalmente por Joe Satriani, Eddie Van Halen, Randy Rhoads, entre outros. Eles variam em estilo, mas carregam uma característica em comum: velocidades estonteantes numa forma de tocar que não preza muito pelas dinâmicas. Todo guitarrista de metal ama e odeia esses guitarristas, conhecidos como shredders. Amam pois eles são o ápice do domínio técnico na guitarra-metal no que se refere aos solos, ponto alto de todo guitarrista. Suas músicas, em geral, são um solo só, para desespero dos demais instrumentistas! Mas eles são odiados, pois carregam uma atitude muitas vezes definida como anti-musical. São atletas, malabaristas, não músicos. Pelo menos é isso que um músico diz quando quer dizer “eu sou um músico de verdade”.
Eu era um desses caras que passou a dizer “eu sou um músico de verdade, com feeling”. Passei tanto que acabei por abandonar o heavy metal por um tempo, um tempo onde minha técnica de metal decaiu, mas foi recompensada por outras habilidades musicais.
E agora estou de volta às origens, treinando aqueles exercícios que todo aspirante à shredder buscou fazer, a fim de retomar minha técnica metaleira. Além disso, sinto um prazer intrínseco em fazer exercícios na guitarra, a ponto de eu me lesionar e ferrar totalmente as pontas dos meus dedos.
Voltando à odiada raça dos guitarristas fritadores, existe neste ódio uma dualidade, um mal entendido acerca dos conceitos de feeling e musicalidade. A imagem do feeling sugere um blueseiro fazendo um vibrato e uma cara de orgasmo, com uma distorção bem leve. Por outro lado, a musicalidade seria um jazzeiro que aprecia as raízes brasileiras ou teuto-vasconças, usa escalas complicadas e não vê a mínima semelhança entre um cara fritando no piano e um cara fritando na guitarra. Estas duas concepções tornam o shredder a anti-música em seu esplendor.
Será que uma linha instrumental sem dinâmica não pode encontrar seu feeling numa espécie de fúria cuspidora de notas? Será que é necessário tocar um padrão tetracompassado de jazz vasconço para ser música? Será que é um crime ser um acrobata, exibindo num palco sua destreza e seus feitos? Quem reponde sim a todas essas perguntas são os próprios shredders, que escondem sua vontade de fritar atrás de uma afirmação, expressa na forma de música (em geral, ruim de se ouvir): “Eu sou um músico de verdade”. O que ele deveria estar dizendo é: eu sou um guitarrista fritador, nada mais, nada menos.
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